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Legado social de um desastre

Apesar dos problemas que um desastre nuclear pode causar, não há notícia de pessoas cuja saúde tenha sido prejudicada pela radiação. A própria Organização Mundial da Saúde, em seu último relatório sobre o tema, afi rmou que “para a população em geral dentro e fora do Japão, os riscos são baixos e não se preveem aumentos nas taxas de incidência de câncer”. No entanto, a agência ressalta que “o risco estimado de alguns tipos de câncer para certas faixas da população na cidade de Fukushima (a 70 km da usina) aumentou e esses indivíduos devem passar por monitoramento contínuo em longo prazo”.

Durante os dias que se seguiram ao tsunami, afirma Guimarães, apenas cerca de 500 pessoas foram atingidas pela chuva de radiação, e a carga recebida não ultrapassou a de uma tomografi a computadorizada. As avaliações de entidades internacionais e as palavras do governo japonês, porém, não acalmaram a população. No relatório Lessons from Fukushima, elaborado pelo Greenpeace em 2012, Tessa Morris-Suzuki, membro do Conselho Internacional de Políticas de Direitos Humanos, revela que muitos moradores da região haviam se reunido para comprar aparelhos de medição de radiatividade.

Embora os níveis nas cidades vizinhas da usina estejam abaixo do estabelecido como seguro pelo governo, a detecção de qualquer sinal de radiatividade deixa os moradores apreensivos. “Diante das incertezas, muitas famílias se dividiram: mulheres e crianças foram viver em outras partes do Japão, ou em outros países, enquanto os homens continuaram em seus empregos na cidade. Afinal, mesmo que o risco seja pequeno, que pais iriam correr o risco de ver seus fi lhos desenvolverem câncer só por não agirem a tempo?”, relatou Tessa. O grande número de separações relacionadas ao estresse pós-acidente nuclear ganhou um nome característico: genpatsu rikon, ou “divórcio atômico”.

Além das famílias que se mudaram por conta própria, outras 150 mil tiveram de deixar a zona estabelecida pelo governo. Depois de sair de suas casas, elas tiveram de conviver com outra difi culdade: o preconceito. Tal como aconteceu com os sobreviventes das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, quem vem da área de Fukushima é visto com cautela. Há relatos de que essas pessoas foram impedidas de doar sangue, tiveram janelas apedrejadas e até mesmo foram obrigadas a oferecer certifi cados médicos de níveis de césio quando procuraram um novo emprego. O temor da transmissão de radiatividade é tão grande que mães de recém-nascidos foram aconselhadas a não deixar seus parentes da região de Fukushima perto dos bebês e as mulheres do local foram publicamente aconselhadas a não ter filhos.

Para José de Jesus Rivero, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutor em segurança nuclear, embora não apresentem maior risco do que outras instalações, as falhas em uma usina nuclear podem causar um pânico maior. “O tsunami matou muitas pessoas, mas ninguém morrerá como consequência direta do acidente nuclear”, afi rma. “Pode-se temer o eventual aparecimento de casos de câncer em longo prazo. Mas seria inadequado culpar Fukushima por essas possíveis mortes, porque elas também acontecem como resultado das emissões de outras indústrias e do transporte. Se substituirmos as usinas nucleares por térmicas de petróleo ou carvão, os poluentes, produto da combustão, também matarão pessoas de câncer e doenças respiratórias em longo prazo.”

Pelo menos o legado de Fukushima Daiichi não é de todo mau. “O nível do desastre levou todos os países (incluindo o Brasil) a fazer o stress test, a verifi cação de hipóteses mais rigorosas de acidentes, com a combinação de vários fatores e de ameaças aos principais sistemas de segurança”, diz Ivan Salati, diretor de Radioproteção e Segurança da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). “No Brasil, a Cnen solicitou à Eletronuclear esse teste, que propôs um programa de melhorias.” Na Alemanha, o caso fez o país voltar-se para a energia renovável.

Enquanto isso, o Japão e a Tepco seguem seu programa de, pela primeira vez no mundo, desativar totalmente uma usina nuclear. O prazo? Pelo menos 40 anos.

Fonte: https://www.revistaplaneta.com.br/o-pesadelo-de-fukushima/

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