Chernobyl, Ucrânia, 1986
Ainda era madrugada de sábado, quando os técnicos da usina nuclear de Chernobyl, localizada a pouco mais de 150 quilômetros da capital ucraniana Kiev, estavam a postos para conduzir uma bateria de testes de rotina. A avaliação consistia em desligar a rede elétrica da central e ativar o sistema auxiliar de emergência para que a usina continuasse funcionando normalmente caso houvesse algum apagão.
O relógio marcava 1h23 da manhã do dia 26 de abril de 1986 quando o teste se transformou em um dos maiores acidentes da história: ao diminuir a potência das turbinas, o sistema de resfriamento do reator nuclear número quatro parou de funcionar, causando um superaquecimento que culminou em uma grande explosão de vapor. O teto do reator, que pesava mil toneladas, foi destruído, e uma nuvem de radiação tomou a cidade. “A vegetação, o solo e a água foram contaminados, sendo necessária a evacuação dos moradores. A nuvem radioativa, com elementos como o césio-137 e o iodo-131, se estendeu por vários países da Europa”, afirma a professora de química Márcia Guekezian, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Desde 1949, quando a União Soviética detonou a sua primeira bomba atômica, o país investiu pesado na tecnologia nuclear, inaugurando a primeira central de energia atômica do mundo, em 1954, na região russa de Obninsk. República que fazia parte da nação soviética, a Ucrânia também contava com um parque nuclear de peso, abrigando a maior usina da Europa, na cidade de Zaporizhia. Construída em 1977, a central de Chernobyl contava com quatro reatores responsáveis por fornecer cerca de 10% da energia para o território ucraniano.
Apesar de na década de 1980 a União Soviética viver um período de estagnação econômica e desvantagem tecnológica em relação aos países ocidentais, a tecnologia atômica do país era considerada sólida. “Os conceitos de ecologia começaram a ser discutidos com mais intensidade a partir da década de 1970 e o desastre em Chernobyl despertou a fragilidade do planeta em relação às usinas nucleares”, diz o professor de história Alexandre Hecker, do Mackenzie.
Até então, o principal incidente envolvendo energia atômica ocorrera em 1979, quando a usina americana de Three Mile Island, na Pensilvânia, superaqueceu e só não explodiu graças à liberação de gases radioativos no meio ambiente. Um episódio com consequências pequenas se comparado ao que aconteceu em Chernobyl: 31 pessoas morreram por conta da explosão e no combate ao fogo, mas milhares foram diretamente afetadas por conta da nuvem de radiação, que obrigou a evacuação dos 350 mil moradores da cidade de Pripyat, construída pelo governo soviético para abrigar os trabalhadores da usina nuclear.
“A liberação de alta radiação ionizante é capaz de matar as células do organismo, além de causar mutações. Dependendo do tempo de exposição, podem ocorrer danos irreversíveis no sistema nervoso central”, afirma Márcia. O número de vítimas causadas pela radiação não é um consenso, mas as Nações Unidas estimam que mais de 9 mil pessoas morreram em decorrência à exposição de césio-137 e iodo-131, além do aumento significativo dos casos de câncer de tireoide na Ucrânia, na Bielorrússia e em parte da Rússia.
Mikhail Gorbatchev, secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, iniciava suas reformas econômicas e políticas quando a notícia do desastre nuclear chegou ao Kremlin. “Vocês sabem que houve um inacreditável erro, o acidente na usina nuclear de Chernobyl. Ele afetou duramente o povo soviético, e chocou a comunidade internacional. Pela primeira vez, nós confrontamos a força real da energia nuclear, fora de controle”, disse o líder em um discurso transmitido pela rede de televisão soviética.
Para combater os efeitos da radiação, o governo determinou uma zona de exclusão com raio de 30 quilômetros do epicentro da explosão, mobilizando mais de 500 mil pessoas. “Do ponto de vista simbólico e político, o acidente contribuiu para a aceleração do fim da União Soviética ao questionar a eficácia da administração socialista”, diz Hecker.
Após evacuar a população da região às pressas e combater o fogo que consumia parte da usina, as autoridades soviéticas iniciaram a construção de uma espécie de sarcófago de 200 toneladas para aplacar o vazamento da radiação. Mesmo assim, a zona de exclusão continua a existir e Pripyat se tornou uma cidade fantasma. “Para ter ideia, o césio-137 demora cerca de 30 anos para que sua radiação caia pela metade e cada elemento tem um tempo de meia-vida diferente”, afirma Márcia. “Por conta disso, a radiação ainda persiste em existir naquele local.”
Com o final da União Soviética, em 1991, os cuidados em relação à administração da usina ficaram a cargo das autoridades ucranianas, que vivem um momento de tensão com a Rússia por conta dos movimentos separatistas concentrados no leste da Ucrânia. “A história de Chernobyl está viva e volta a nos assustar, como o que ocorreu recentemente na usina japonesa de Fukushima após o tsunami”, diz Hecker. Logo após o acidente, a versão oficial da investigação responsabilizou os operadores da usina pelo erro que culminou com o superaquecimento do reator. Uma segunda tese, no entanto, coloca a tecnologia deficiente da usina como motivadora da instabilidade capaz de provocar a explosão de vapor.
Fonte: https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2015/04/desastre-nucl...